Muitos líderes, diante do Covid-19, foram obrigados a mudar o gerenciamento de suas equipes do trabalho presencial para o trabalho remoto, o que requer um conjunto de habilidades diferentes.

Eles foram forçados a fazer essa transição rapidamente e, na maioria das vezes, sem treinamento. Embora alguns empregos tenham se mostrado adaptáveis, muitos setores não são adequados para o ambiente remoto e muitos trabalhadores têm vidas domésticas que apresentam desafios enormes. Como resultado, alguns gerentes podem estar achando seus papéis mais difíceis do que antes – e tornando a vida de seus subordinados mais estressante à medida que lutam para se adaptar.

Mesmo antes da pandemia, o gerenciamento de teletrabalhadores apresentava obstáculos únicos. Pesquisas mostram que os gerentes que não conseguem “ver” seus subordinados diretos às vezes lutam para acreditar que seus funcionários estão realmente trabalhando. Quando essas dúvidas surgem, os gerentes podem começar a desenvolver uma expectativa irracional de que esses membros da equipe estejam disponíveis o tempo todo, interrompendo o equilíbrio entre trabalho e casa e causando mais estresse trabalho.

Isso, por sua vez, poderia criar uma espiral negativa na qual a desconfiança do gerente leva à micro gestão, o que leva a quedas na motivação dos funcionários, prejudicando ainda mais a produtividade.

 

O poder da ciência

Para confirmar essas hipóteses, 3 pesquisadoras (Anita Keller, Caroline Knight e Sharon Parker) lideraram uma pesquisa realizada com mais de 1200 pessoas de 24 países diferentes com o objetivo de investigar como o Covid-19 está afetando o trabalho, o bem-estar e a produtividade de gerentes e funcionários. Foi perguntado aos participantes se eles têm a oportunidade de escolher quando, onde e como realizam seus trabalhos, se o trabalho interfere na vida em casa e se enfrentam dificuldades tecnológicas. Também perguntaram como eles se sentem no trabalho, em um esforço para medir os níveis de envolvimento, exaustão emocional, ansiedade ou entusiasmo.

As descobertas preliminares sugerem que muitos gerentes estão lutando em suas funções e se beneficiariam caso tivesse mais apoio.

 

Autoconfiança dos gerentes no trabalho remoto

Cerca de 40% dos 215 supervisores e gerentes em nosso estudo expressaram baixa autoconfiança em sua capacidade de gerenciar trabalhadores remotamente. 23% dos gerentes discordaram da afirmação “Estou confiante de que posso gerenciar uma equipe de trabalhadores remotos” e outros 16% não tinham certeza sobre essa capacidade. Números semelhantes relataram falta de confiança para influenciar os trabalhadores remotos a fazer bem o seu trabalho e coordenar uma equipe de funcionários remotos com eficácia.

Uma proporção semelhante de gerentes teve opiniões negativas sobre o desempenho dos trabalhadores remotos: 38% dos gerentes concordaram que seus subordinados, no ambiente remoto, geralmente têm um desempenho pior do que aqueles que trabalham em um escritório. Embora seja encorajador ver que nem todos os gerentes que participaram de nossa pesquisa compartilhavam dessa crença, com 40% discordando, o fato de que, juntos, mais da metade dos entrevistados concordaram ou concordaram parcialmente, sugere que muitos ainda têm opiniões bastante negativas sobre este trabalho prática.

Muitos gerentes também duvidaram se os trabalhadores remotos podem permanecer motivados ao longo do tempo, com 41% concordando com a afirmação “Não acredito que os trabalhadores remotos possam permanecer motivados a longo prazo”.

Em geral, as atitudes negativas sobre essa forma de trabalho pareciam se espalhar na maneira como os gerentes também viam seus próprios funcionários. Vários gerentes relataram não confiar na competência de seus próprios funcionários, com quase um terço (29%) questionando se seus funcionários tinham o conhecimento necessário para fazer seu trabalho, e mais de um quarto (27%) concordando que seus funcionários não tinham habilidades essenciais.

Sendo assim, o quadro não é otimista, sugerindo que um número substancial de gerentes tem pouca confiança em sua capacidade de liderar remotamente, tem opiniões bastante negativas sobre essa prática de trabalho e desconfia de seus próprios trabalhadores.

 

Fatores críticos determinantes 

O contexto mais amplo em que o gerente opera era tão importante quanto os fatores demográficos. Em primeiro lugar, para os gerentes que relataram que sua organização oferece pouco suporte para o trabalho flexível, o nível de autoeficácia para gerenciar trabalhadores remotos foi menor. Parece que quando uma empresa está genuinamente comprometida com o trabalho flexível, eles fornecem suporte prático (por exemplo, treinamento) e transmitem mensagens positivas de abertura sobre esta prática de trabalho (por exemplo, uma vontade de ser flexível sobre as disposições específicas), ambos os quais pareceu aumentar a autoeficácia dos gerentes para liderar trabalhadores remotos.

Em segundo lugar, os gerentes que relataram menor autonomia de trabalho em seu próprio trabalho, monitoramento rigoroso e muita desconfiança de seu próprio patrão tinham crenças mais negativas sobre o trabalho remoto e maior desconfiança em seus trabalhadores. Essas descobertas sugerem um processo de aprendizagem social no qual os gerentes aprendem a supervisionar e tratar seus funcionários observando seus próprios líderes.

Acreditamos que isso ocorre porque, quando seus próprios gestores os tratam com desconfiança, monitorando-os de perto, eles associam esse comportamento e o replicam em sua própria ação de liderança. Em outras palavras, acreditamos que eles começam a pensar que o microgerenciamento é o que as organizações esperam deles.

 

Como esses fatores afetam os funcionários

Foi analisado 617 trabalhadores no ambiente remoto com carga de trabalho de quatro ou mais dias por semana. Muitos deles relataram níveis muito altos de monitoramento de perto, dos quais 21% concordaram que seu supervisor avaliava constantemente seu trabalho.

Além disso, muitos trabalhadores também tiveram a forte sensação de que seu supervisor não confia em sua capacidade de fazer o trabalho, dos quais 34% concordaram que seus gestores “expressaram falta de confiança em suas habilidades de trabalho”. Números semelhantes relataram que seu supervisor duvidava de sua capacidade de fazer o trabalho e achava que o supervisor questionava se eles tinham o conhecimento necessário.

Um número ainda maior de trabalhadores relatou sentir que precisava estar constantemente disponível, como a expectativa de responder às mensagens eletrônicas / telefônicas imediatamente, inclusive após o expediente.

 

Consequências…

Crucialmente, essas experiências de trabalhadores domésticos parecem ter efeitos negativos. Em primeiro lugar, as análises de regressão que controlam uma série de fatores demográficos mostram que a ansiedade no trabalho é maior para aqueles trabalhadores que experimentam altos níveis de monitoramento rigoroso e uma forte crença de que seu supervisor não confia neles.

Para os trabalhadores que relatam baixos níveis de monitoramento (menos de 2 em uma escala de 5 pontos), 7% estavam frequentemente ou sempre ansiosos ao fazer seu trabalho. Mas para aqueles que relataram altos níveis de monitoramento (mais de 4 em uma escala de 5 pontos), 49% ficavam frequentemente ou sempre ansiosos ao realizar seu trabalho. O impacto do monitoramento é um problema significativo, dados os desafios de saúde mental durante a pandemia.

Em segundo lugar, o conflito trabalho-casa – afetado principalmente pelas demandas dos filhos – é maior para os trabalhadores com altos níveis de monitoramento próximo e pressão por disponibilidade constante. Dos trabalhadores que relataram baixo nível de monitoramento, 26% relataram que suas demandas de trabalho interferiam na vida doméstica e familiar. Mas para aqueles que relataram altos níveis de monitoramento, mais da metade 56% apresentaram alta interferência entre as demandas de trabalho e casa/família.

Terceiro, partindo da perspectiva de produtividade, não há lógica ao pensar que as pessoas estando fisicamente em suas mesas e monitoradas de perto, elas terão necessariamente um bom desempenho. O microgerenciamento não é uma forma eficaz de obter o melhor das equipes. As pesquisas realizadas são consistentes com esse raciocínio. Eles mostram que quanto mais um trabalhador se sente desconfiado, menor é sua percepção de que está desempenhando bem suas tarefas essenciais.

 

Cinco maneiras de evitar problemas de confiança no gerenciamento remoto

As consequências da má gestão neste período e para esse cenário de trabalho sugerem a necessidade urgente de ajudar os gestores no desenvolvimento de competências nesta temática. Com base em nossa pesquisa, recomendamos:

1. Comece no nível mais alto. 

É muito difícil esperar que os gerentes ajam de maneira diferente de seus próprios líderes. Os gerentes que lutam para liderar equipes remotas possuem baixa autonomia no trabalho e seus chefes são excessivamente controladores e demonstram pouca confiança. Esse resultado mostra que as organizações precisam iniciar a mudança a partir do nível hierárquico mais alto.

 

2. Forneça suporte prático e moral para o trabalho remoto dentro da organização.

As organizações precisam ir além da retórica sobre o apoio ao trabalho flexível e realmente decretar esse apoio, por exemplo, garantindo que os trabalhadores tenham o equipamento necessário, fornecendo recursos para apoiar o bem-estar da equipe, permitindo licença extra para os trabalhadores se necessário e dando treinamento para apoiar o trabalho flexível. Essas mudanças não ajudarão apenas os trabalhadores que operam em casa, mas também os gerentes, pois dão um forte sinal sobre o compromisso genuíno da empresa com essa prática de trabalho.

 

3. Eduque os gerentes sobre os benefícios potenciais do trabalho remoto (quando bem projetado).

Pesquisas existentes sobre teletrabalho mostram que ele pode ser mais produtivo do que o trabalho em escritório, mas os benefícios surgem em grande parte devido à maior autonomia concedida aos trabalhadores remotos. Se a autonomia for baixa e a microgestão alta por causa da desconfiança gerencial, é improvável que surjam benefícios do trabalho remoto. Os gerentes e a equipe precisam entender os processos de trabalho que precisam ser implementados para facilitar obter um trabalho remoto eficaz.

 

4. Treine os gerentes sobre como empoderar seu time. 

Simplesmente dizer aos gerentes para confiarem em seus funcionários provavelmente não será suficiente. Em vez disso, eles precisam aprender novas habilidades de delegação e empoderamento para fornecer aos seus trabalhadores maior autonomia sobre seus métodos de trabalho, o que por sua vez irá promover a motivação, saúde e desempenho do trabalhador. Às vezes, os gerentes confundem autonomia com abdicação ou abandono de funcionários. Os gerentes precisam aprender que autonomia não significa menos comunicação com os funcionários. A comunicação frequente e regular é ainda mais importante quando os funcionários têm autonomia. Mas, em vez de verificar as pessoas como uma forma de microgerenciá-las, os gerentes precisam verificar as pessoas e fornecer-lhes informações, orientação e suporte para trabalhar de forma autônoma.

 

5. Capacite os gerentes quanto a gestão por resultados

O gerenciamento de resultados acompanha a autonomia do trabalho. Quando você dá às pessoas o poder de decidir por si mesmas como e quando trabalharão, é importante avaliar se estão entregando os resultados. Portanto, os gerentes precisam colocar mais foco nos resultados do trabalho do que nas entradas. Uma versão extrema de gerenciamento por resultados é um ambiente de trabalho somente para resultados, no qual você dá pouca ou nenhuma atenção a quando, onde ou mesmo como as pessoas fazem seu trabalho, desde que entreguem os resultados.